Meganom propõe investir nas periferias para melhorar a qualidade da vida urbana

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Enquanto as grandes cidades se esforçam para recuperar e revitalizar áreas urbanas centrais, zonas periféricas geralmente são ignoradas ou esquecidas. Geralmente, e com pouquíssimas exceções, o centro de uma cidade é onde se encontra a maioria das infra-esturturas urbanas, serviços públicos e principalmente, uma maior acessibilidade aos sistemas de transporte público. Em si só, isso é um motivo bom o suficiente para que uma cidade se esforce em manter a qualidade e a vitalidade de suas áreas centrais. Entretanto, isso também significa que políticas públicas voltadas tão somente para áreas centrais e que, por outro lado, negligenciam áreas periféricas - historicamente pobres e carentes em infra-estrutra urbana -, penalizam duplamente as zonas mais afastadas e principalmente, a população que ali vive. Com isso em mente, o escritório russo de arquitetura Meganom desenvolveu um projeto chamado de "Dvorulitsa", o que significa literalmente "rua -jardim". Dvorulitsa é um projeto de desenvolvimento urbano que pretende contribuir com a recuperação de áreas periféricas de Moscou. A ideia é um desdobramento de um antigo projeto do estúdio fundado por Yury Grigoryan e Iliya Kouleshov. Desenvolvido em 2013, "Archaeology of the Periphery," foi um projeto de recuperação de um antigo estaleiro que apresentava o conceito de "super parque", uma alternativa para a transformação da periferia das cidades pós-soviéticas.

Na versão mais recente do projeto, os arquitetos estão focando suas energias nas zonas periféricas da maior cidade e capital do país: Moscou. Ainda assim, por se tratar de um problema comum a grande maioria das grandes cidades russas, a ideia dos arquitetos é construir um vocabulário que possa ser adaptado e reutilizado em diferentes contextos e em qualquer cidade do mundo. Dvorulitsa é uma proposta que promete integrar e requalificar todas as áreas periféricas de Moscou, levando infra-estrutra e qualidade de vida a áreas historicamente negligenciadas. Comumente, cidades são conhecida por sua arquitetura, seu passado e sua história, marcas permanentes que se desenvolvem e evoluem ao longo do tempo. Apesar disso, cidades como Moscou tem assistido um crescimento vertiginoso ao longo dos últimos cem anos. Acredita-se que 95% da capital russa seja atualmente considerada periferia, o que significa que mais de 90% da população não vive em áreas centrais e privilegiadas. Utilizando os espaços públicos existentes entre os blocos de apartamentos que se reproduzem e se repetem em direção ao infinito, a rua-jardim se apropria deste vazio, das carências e da falta de cuidado para construir um novo espaço urbano transformador e cheio de vida.

Como uma antítese da cidade moderna, a rua-jardim se transformará um novo elemento urbano, conectando os distritos residenciais e construindo uma nova cidade. Cada uma destas ruas será adaptada à seu contexto específico, respondendo as necessidades mais urgentes de cada bairro para edificar uma nova rede inter-conectada de infra-estruturas urbanas, equipamentos e serviços. A implantação destas redes pretende "dissolver" e espalhar os investimentos ao longo da periferia de Moscou. Os arquitetos responsáveis defendem a “criação de uma nova cidade - aquela que até hoje esteve esquecida e abandonada-, restabelecendo gradualmente sua vitalidade urbana através de uma profunda análise de tudo aquilo que já existe, suas principais carências e potenciais.”

© Dvorulitsa
Superpark. Imagem © Meganom

Nosso primeiro passo será pesquisar, levantar informações e conhecer profundamente estas áreas. Posteriormente elas serão agrupadas em distritos maiores que finalmente irão definir o layout espacial desta nova rede de espaços integrados que construirá a nossa nova cidade de Moscou. Somente depois disso é que as ruas-jardins poderiam ser finalmente projetadas e detalhadas. Acessibilidade, segurança, funcionalidade, conveniência e conforto serão prioridade no processo de projeto. Assim que a estrutura geral das ruas-jardins seja estabelecida, o projeto partirá para uma segunda fase, onde os moradores serão convidados a participar, opinar e construir conosco a cidade que eles querem para si. O vocabulário projetual destes novos elementos urbanos contará com: ciclovias, calçadas e percursos acessíveis, cafés, jardins e parques, áreas para a prática de esportes, jardins de infância, centros comunitários, oficinas e muito mais.

A beleza desta proposta encontra-se no fato de que ela considera a realidade existente destas áreas, identifica suas carências e potencialidades e então fornece instrumentos para que arquitetos e moradores construam juntos uma cidade melhor para todos. A rede de ruas-jardim trará para as áreas periféricas uma série de amenidades como aquelas que encontramos no centro da cidade, preservando as melhores características dos bairros residenciais: a calmaria, a tranquilidade e suas amplas áreas verdes. Apropriando-se de espaços atualmente subutilizados, a cidade se tornará mais eficiente e agradável para seus habitantes.

Para saber mais sobre o projeto Dvorulitsa, fizemos uma entrevista exclusiva com o fundador do Meganom, Yuri Grigoryan e arquiteta responsável pelo projeto, Alena Shlyakhovaya.

Step 1. Imagem © Dvorulitsa

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ArchDaily: Qual foi a principal fonte de inspiração que os levou a explorar as carências das áreas periféricas de Moscou? Por exemplo, o que pesou mais: questões culturais, econômicas ou sociais?

Meganom: É difícil dizer qual destes aspectos é mais importante. Genericamente falando, este projeto tem um longa histórica, ele começou há mais de dez anos, ainda em 2008 com uma proposta chamada "Green River", a qual posteriormente se desdobrou em outros tantos projetos como o "Old Moscow. The inventory", o "Archeology of The Periphery" e alguns outros.

O nosso principal foco não estava nas áreas periféricas em si, mas na integridade da cidade de Moscou como um todo. Todos estes projetos fazem parte de uma busca por compreender melhor a nossa cidade, suas carências e potencialidades. Através desse percurso reflexivo, acreditamos que podemos desenvolver melhores projetos, os quais possam melhor responder à questões específicas de cada contexto. Através dessa abordagem, muitas vezes, somos forçados à desenvolver novas ferramentas e instrumentos projetuais que felizmente, tanto nos faz melhor compreender esta cidade quanto nos faz querer transformá-la em um lugar melhor.

Entretanto, este não é um simples projeto urbano — questões teóricas e disciplinares também desempenham um papel fundamental neste trabalho e o que faz dele tão especial para todos nós.

Antes. Imagem © Dvorulitsa
Depois. Imagem © Dvorulitsa

AD: Vocês poderiam melhor descrever por que o conceito de “everyday-ness” é tão importante neste projeto - e no planejamento urbano em geral?

M: A vida cotidiana das pessoas, a qualidade de vida, nossos compromissos e os momentos que compartilhamos, é ai que encontramos o ponto alto de cada projeto. É isso o que realmente importa na vida, as coisas que a gente sente e como a gente se sente.

AD: Nos conte um pouco mais sobre a importância da natureza e dos espaços verdes - e do "super parque" - no conceito geral desta proposta.

M: O conceito de super parque é o futuro que agente sonha para Moscou. É um conceito bem abrangente e não funciona apenas para esta cidade, ele poderia ser implantado em qualquer cidade que floresceu sob o regime comunista. Para nós, a qualidade do ambiente construído não está apenas vinculado com as tipologias dos edifícios que preenchem o tecido urbano de nossas cidades, mas principalmente com o vazio que sobra entre eles, por onde se costura a vida das pessoas. Falando sobre as áreas periféricas, seria quase impossível imaginar uma cidade pós-soviética diferente de como elas são, por isso, precisamos atuar dentro da estrutura que já existe, subvertendo sua lógica à favor da qualidade de vida de seus habitantes.

O potencial deste tipo de urbanização é enorme, mas as pessoas não o enxergam ou não querem enxergar. Cabe à nós revela-lo. Precisamos parar de criticar cegamente a estrutura de nossas cidades e passar a observar as suas potencialidades, explorar e valorizar tudo aquilo que há de bom: a relação entre espaço construído e áreas verdes, abundância de iluminação e ventilação natural, tranquilidade e silêncio — todas as vantagens inatas desta herança que nos foi dada. O super parque é algo que já existe, só precisamos saber como ativa-lo.

AD: Qual é a maior vantagem de projetar sobre uma estrutura que já existe? E qual é o maior desafio?

M:

As grandes vantagens são:

  • Esta abordagem é a maneira menos agressiva de transformá-la e talvez a única maneira possível e viável de trazer de volta a vida estas áreas subtilizadas;
  • É mais interessante (politicamente e economicamente) valorizar o nosso passado como parte de nossa identidade do que negá-lo e ter que construir toda uma cidade a partir do zero.

Os grandes desafios são:

  • A escala das necessidade mais urgentes;
  • Questões políticas e jurídicas em relação ao uso do solo;
  • Por se tratar de um projeto à longo prazo, uma Política de estado se faz necessária (não será da noite para o dia que vamos transformar uma cidade como Moscou e muito menos a vida das pessoas que aqui vivem).

AD: Você poderia explicar melhor o conceito de “dissolução” e como ele poderia ajudar a tornar este projeto mais flexível e adaptável aos seus diferentes contextos?

Antes. Imagem © Dvorulitsa
Depois. Imagem © Dvorulitsa

M: A ideia central por trás do conceito de "dissolução" é que nós tentamos atuar nas menores escalas possíveis, espalhando micro intervenções por toda a cidade. Nossa estratégia é sobre ativar e priorizar tudo aquilo que já existe e funciona, tudo aquilo que é importante para as pessoas que aqui vivem. Se trata de ser compreensíveis, comprometidos e principalmente pacientes, atuar gradual e sistematicamente a partir daquilo que consideramos importante de cada contexto específico.

AD: Em que modo este projeto deveria ser adaptado para poder funcionar em outras grades cidades? Quão específico ele é à estrutura das cidades pós-soviéticas?

M: O método em si e a maneira de adapta-lo à diferentes contextos é muito simples, mas depende muito daquilo que se pretende alcançar. O Dvorulitsa foi desenvolvido para atuar no espaço semi-público de forma a preencher um enorme vazio entre duas condições muito específicas: o super-privado (apartamento) e o super-público (a impessoalidade do espaço urbano das cidades soviéticas). Em outros contextos, ruas-jardim podem se tornar mais comerciais ou mais recreativas por exemplo. 

AD: Como você imagina esta nova cidade, como seriam seus limites por exemplo - onde o super parque encontra com a cidade? Como seriam estes espaços de transição?

M: Atualmente esta transição entre o centro da cidade e as áreas periféricas é bastante gradual, dissolvida; não há um limite muito claro onde uma coisa começa e onde ela termina. Durante nossas pesquisas nós até encontramos uma tipologia específica de blocos — os "hyperblocos". Eles se parecem com uma mistura entre o convencional bloco de apartamentos em fita, o urbanismo soviético e suas enormes super quadras e a verticalidade dos edifícios construídos entre os anos 1990-2000. Os hyperblocos compõe uma espécie de "zona de amortecimento" entre o centro histórico e os arredores que constroem os distritos periféricos. Estas zonas de transição são as áreas mais complexas e interessantes para este tipo de projeto.

AD: O que aconteceria se o projeto fosse um grande sucesso e atraísse muito mais pessoas do centro para a periferia? Seria algo positivo ou negativo?

Antes. Imagem © Dvorulitsa
Depois. Imagem © Dvorulitsa

M: O principal objetivo deste projeto não é fazer das áreas periféricas uma cópia do centro, mas uma alternativa ao centro (se estivermos falando da estrutura das cidades pós-socialistas). Isso significa que elas são completamente diferentes e funcionam para pessoas com perfis muito distintos. Este cenário, com muitas pessoas deixando o centro para morar na periferia, não é algo realmente possível ou crível nas atuais conjunturas de nosso país.

AD: Quais são as condições necessárias para que este projeto seja bem sucedido?

M: Nós queremos acreditar que o Dvorulitsa é como uma obra de arte, mas de fato, ele é muito mais do que um projeto de arquitetura. Existem questões políticas, sociais e jurídicas envolvidas. A ideia pode ser realizada e implantada em partes, em diferentes etapas e fases, assim como ele poderia ser apenas uma ferramenta legal para determinar uma nova distribuição ou ordenamento do solo. Nós estamos cientes de que a parte jurídica é aquela mais importante para que este projeto um dia possa se transformar em realidade.

Tekstilschiki Map: Before and After. Imagem © Dvorulitsa

AD: Das mudanças que o Dvorulitsa pode promover na cidade, quais delas você acha mais importante: sociais, políticas ou econômicas?

M: Uma vez nós organizamos uma conferência de dois dias para discutir estas questões com filósofos, políticos, economistas, artistas de rua, etc. São tantos assuntos à se debater que fica até difícil elenca-los. Para ser breve, obviamente o terreno de projeto é o local onde o Estado, os projetistas e os habitantes se encontram. Para torna-lo possível seria preciso mudar nossa maneira de fazer política antes de mais nada.

Precisamos primeiramente discutir o projeto Dvorulitsa no atual contexto político da Rússia: hoje em dia, há uma enorme quantidade de "terra de ninguém" em meio a todos os distritos residenciais da capital (elas pertencem ao Estado, mas não às pessoas que ali vivem e por ela passam todos os dias), e isso é uma das principais causas pelas quais elas encontram-se esquecidas e negligenciadas; o projeto propõe uma redefinição da propriedade da terra para que as pessoas passem a cuida-la coletivamente. "Direito à propriedade" significa também ter responsabilidade sobre ela, ser capaz de tomar decisões sobre o que fazer com ela e de que maneira melhor utilizá-la. Então o que estamos querendo é definir uma nova ferramenta legal para discutir como reativar estes espaços. Isso implicaria uma nova política legislativa e fiscal, assim como uma nova regulamentação de seção de direitos e apropriação. Mas isso também significaria repensar a maneira como estamos construindo nossa cidade, nossas comunidades e o engajamento das pessoas, além é claro, da conscientização de toda a nossa sociedade em relação a uma série de questões que nunca foram debatidas publicamente.

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Sobre este autor
Cita: Schires, Megan. "Meganom propõe investir nas periferias para melhorar a qualidade da vida urbana" [Dvorulitsa Project by Meganom Proposes Reinvesting in Cities' Peripheries to Improve Urban Environments] 01 Mai 2019. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/915922/meganom-propoe-investir-nas-periferias-para-melhorar-a-qualidade-da-vida-urbana> ISSN 0719-8906

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